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Mostrando postagens de 2017

Soneto de Agosto

Tu me levaste, eu fui... Na treva, ousados Amamos, vagamente surpreendidos Pelo ardor com que estávamos unidos Nós que andávamos sempre separados. Espantei-me, confesso-te, dos brados Com que enchi teus patéticos ouvidos E achei rude o calor dos teus gemidos Eu que sempre os julgara desolados. Só assim arrancara a linha inútil Da tua eterna túnica inconsútil... E para a glória do teu ser mais franco Quisera que te vissem como eu via Depois, à luz da lâmpada macia O púbis negro sobre o corpo branco. Vinicius de Moraes

Poema negro

A Santos Neto Para iludir minha desgraça, estudo. Intimamente sei que não me iludo. Para onde vou (o mundo inteiro o nota) Nos meus olhares fúnebres, carrego A indiferença estúpida de um cego E o ar indolente de um chinês idiota! A passagem dos séculos me assombra. Para onde irá correndo minha sombra Nesse cavalo de eletricidade?! Caminho, e a mim pergunto, na vertigem: — Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem? E parece-me um sonho a realidade. Em vão com o grito do meu peito impreco! Dos brados meus ouvindo apenas o eco, Eu torço os braços numa angústia douda E muita vez, à meia-noite, rio Sinistramente, vendo o verme frio Que há de comer a minha carne toda! É a Morte — esta carnívora assanhada — Serpente má de língua envenenada Que tudo que acha no caminho, come… — Faminta e atra mulher que, a 1 de janeiro, Sai para assassinar o mundo inteiro, E o mundo inteiro não lhe mata a fome! Nesta sombria análise das cousas, Corro. Arranco os cadáveres das l

Morte e Vida Severina

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Quadro com tema regional de Miriam Merci, 2015. Veja mais obras aqui . Leia ouvindo aqui. Esta cova em que estás, com palmos medida É a conta menor que tiraste em vida É de bom tamanho, nem largo, nem fundo É a parte que te cabe deste latifúndio Não é cova grande, é cova medida É a terra que querias ver dividida É uma cova grande pra teu pouco defunto Mas estarás mais ancho que estavas no mundo É uma cova grande pra teu defunto parco Porém mais que no mundo, te sentirás largo É uma cova grande pra tua carne pouca Mas à terra dada nao se abre a boca É a conta menor que tiraste em vida É a parte que te cabe deste latifúndio (É a terra que querias ver dividida) Estarás mais ancho que estavas no mundo Mas à terra dada não se abre a boca. Chico Buarque Mais Chico na Amazon ou Americanas .

Morte e vida severina - Animação e poesia

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O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI — O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias. Mais isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem falo ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba. Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia. Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesma

Deixa que o olhar...

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Les amants (Os amantes), quadro de um dos principais artistas surrealistas belgas, René Magritte Deixa que o olhar do mundo enfim devasse Teu grande amor que é teu maior segredo! Que terias perdido, se, mais cedo, Todo o afeto que sentes, se mostrasse? Basta de enganos! Mostra-me sem medo Aos homens, afrontando-os face a face: Quero que os homens todos, quando eu passe, Invejosos, apontem-me com o dedo. Olha: não posso mais! Ando tão cheio Desse amor, que minh`alma se consome De te exaltar aos olhos do universo. Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio: E, fatigado de calar teu nome, Quase o revelo no final de um verso. Olavo Bilac

Os Três Mal-Amados

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O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome. O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos. O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina. O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos. Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus

Quadrilha

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João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história Carlos Drumond de Andrade Veja livro do autor aqui: Amazon / Americanas

A Verdadeira Liberdade

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A liberdade, sim, a liberdade! A verdadeira liberdade! Pensar sem desejos nem convicções. Ser dono de si mesmo sem influência de romances! Existir sem Freud nem aeroplanos, Sem cabarets, nem na alma, sem velocidades, nem no cansaço! A liberdade do vagar, do pensamento são, do amor às coisas naturais  A liberdade de amar a moral que é preciso dar à vida!  Como o luar quando as nuvens abrem  A grande liberdade cristã da minha infância que rezava  Estende de repente sobre a terra inteira o seu manto de prata para mim...  A liberdade, a lucidez, o raciocínio coerente,  A noção jurídica da alma dos outros como humana,  A alegria de ter estas coisas, e poder outra vez  Gozar os campos sem referência a coisa nenhuma  E beber água como se fosse todos os vinhos do mundo!  Passos todos passinhos de criança...  Sorriso da velha bondosa...  Apertar da mão do amigo [sério?]...  Que vida que tem sido a minha!  Quanto tempo de espera no apeadeiro!  Quanto vi

Soneto VII - Gregório de Matos

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Ardor em firme coração nascido! Pranto por belos olhos derramado! Incêndio em mares de água disfarçado! Rio de neve em fogo convertido! Tu, que em um peito abrasas escondido, (*?) Tu, que em ímpeto abrasas escondido, Tu, que em um rosto corres desatado, Quando fogo em cristais aprisionado, Quando cristal em chamas derretido. Se és fogo como passas brandamente? Se és neve, como queimas com porfia? Mas ai! Que andou Amor em ti prudente. Pois para temperar a tirania, Como quis, que aqui fosse a neve ardente, Permitiu, parecesse a chama fria. Gregório de Matos

Me Gritaron Negra

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Tenía siete años apenas, apenas siete años, ¡Que siete años! ¡No llegaba a cinco siquiera! De pronto unas voces en la calle me gritaron ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! “¿Soy acaso negra?” – me dije ¡SÍ! “¿Qué cosa es ser negra?” ¡Negra! Y yo no sabía la triste verdad que aquello escondía. Negra! Y me sentí negra, ¡Negra! Como ellos decían ¡Negra! Y retrocedí ¡Negra! Como ellos querían ¡Negra! Y odié mis cabellos y mis labios gruesos y miré apenada mi carne tostada Y retrocedí ¡Negra! Y retrocedí… ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Neeegra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! Y pasaba el tiempo, y siempre amargada Seguía llevando a mi espalda mi pesada carga ¡Y cómo pesaba! … Me alacié el cabello, me polveé la cara, y entre mis cabellos siempre resonaba la misma palabra ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Neeegra! Hasta que un día que retrocedía, retrocedí

Negritude

Geni Guimarães Ouço o eco gemendo, Os gritos de dor, Dos navios negreiros. Ouço o meu irmão, Agonizando a fala, Lamentando a carne Pisada, Massacrada, Corrompida. Sinto a dor humilhante, Do pudor sequestrado, Do brio sem arbítrio, Ao longe atirado, Morto e engavetado, Na distância do tempo. Dói-me a dor do negro, Nas patas do cavalo, Dói-me a dor dos cavalos. Arde-me o sexo ultrajado Da negra cativa, Usada no tronco, Quebrada e inservida, Sem prazer de sentir, Sem desejos de vida, Sem sorrisos de amor, Sem carícias sentidas, Nos seus catorze anos de terra. Dói-me o feto imposto ao negro útero virgem. Dói-me a falta de registro, do negro nunca visto Além das senzalas, No comer no cocho, No comer do nada. Sangra-me o corte na pele, Em abertas feridas, De dores doídas, No estalo da chibata. Dói-me o nu do negrinho Indefeso escravozinho, Sem saber de razões. Dói-me o olho esbugalhado, No rosto suado, No medo cravado, No peito do menino. Dói-me tudo e sobre tudo, O imporque

Reflexão

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Abelardo Rodrigues O poema reflete principalmente no escuro E quando reflete, insone, apetrecha o movimento da luz. Não a luz que nasce a cada dia em qualquer poente. Não a luz feita sob o canhão e o crucifixo Não a luz dos seis dias… mas aquela de Totens de Olorum.

O Navio Negreiro

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I 'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço   Brinca o luar — dourada borboleta;   E as vagas após ele correm... cansam   Como turba de infantes inquieta. 'Stamos em pleno mar... Do firmamento   Os astros saltam como espumas de ouro...   O mar em troca acende as ardentias,   — Constelações do líquido tesouro... 'Stamos em pleno mar... Dois infinitos   Ali se estreitam num abraço insano,   Azuis, dourados, plácidos, sublimes...   Qual dos dous é o céu? qual o oceano?... 'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas   Ao quente arfar das virações marinhas,   Veleiro brigue corre à flor dos mares,   Como roçam na vaga as andorinhas... Donde vem? onde vai?  Das naus errantes   Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?   Neste saara os corcéis o pó levantam,    Galopam, voam, mas não deixam traço. Bem feliz quem ali pode nest'hora   Sentir deste painel a majestade!   Embaixo — o mar em cima — o firmamento...  

Poema Sujo

turvo turvo a turva mão do sopro contra o muro escuro menos menos menos que escuro menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo escuro mais que escuro: claro como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma e tudo (ou quase) um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas azul era o gato azul era o galo azul o cavalo azul teu cu tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma entrada para eu não sabia tu não sabias fazer girar a vida com seu montão de estrelas e oceano entrando-nos em ti bela bela mais que bela mas como era o nome dela? Não era Helena nem Vera nem Nara nem Gabriela nem Tereza nem Maria Seu nome seu nome era… Perdeu-se na carne fria perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia Trecho de Poema Sujo , de Ferreira Gullar Livro do

Novembro

Aproximo-me com certa distância do mês de novembro, querendo coisas esquecidas no fundo dos bolsos, buscando a mim e em mim apenas salvação e promessa. Este corpo que está um ano mais velho não está cansado de viver ainda. Está mais incompreendido, mais trancado, mais arisco. Há vida após a vida. Morri com minha filha em meus braços, e nos braços de minha mãe, Morri no colo de minha irmã e com a minha sobrinha em meu colo. Eu sou quase eu mesma com um pouco mais de sal. Novembro assusta-me. O que é o porvir? Aguardo os dias com as mãos sobre o peito: não quero que ninguém ouça o barulho do meu coração quando eu sou do tamanho de uma lágrima.  Sento nas consoantes de novembro caçando dias com claros enigmas e mansidão porque a vida precisa de ilusão também, porque  sou uma pastora de nuvens. Karla Bardanza

O Dia de Malala

“Eu não sei por onde começar o meu discurso, eu não sei o que as pessoas estão esperando que eu fale. Mas, primeiro de tudo, agradeço a Deus, para quem todos nós somos iguais. E obrigada a cada pessoa que rezou pela minha rápida recuperação e nova vida. Não posso acreditar em quanto amor as pessoas têm demonstrado em relação a mim. Tenho recebido milhares de cartões e presentes do mundo inteiro. Obrigada a todos, às crianças que, com palavras inocentes, me incentivaram, e aos mais velhos, cujas orações me fortaleceram. Queridos irmãos e irmãs, lembrem-se de uma coisa: O “Dia Malala” não é o meu dia. Hoje é o dia de cada mulher, cada garoto e cada garota que levanta a voz pelos seus direitos. Há centenas de ativistas de direitos humanos e trabalhadores sociais que não estão falando apenas pelos seus direitos, mas que estão lutando para atingir seu objetivo de paz, educação e igualdade. Milhares já foram mortos pelos terroristas e milhões foram feridos por eles. Eu sou só mais um del

Os girassóis de Van Gohg

Hoje eu vi Soldados cantando por estradas de sangue Frescura de manhãs em olhos de crianças Mulheres mastigando as esperanças mortas Hoje eu vi homens ao crepúsculo Recebendo o amor no peito. Hoje eu vi homens recebendo a guerra Recebendo o pranto como balas no peito. E, como a dor me abaixasse a cabeça, Eu vi os girassóis ardentes de Van Gogh. Manoel de Barros Para comprar esse livro clique aqui

Pintura

Sempre compreendo o que faço depois que já fiz. O que sempre faço nem seja uma aplicação de estudos. É sempre uma descoberta. Não é nada procurado. É achado mesmo. Como se andasse num brejo e desse no sapo. Acho que é defeito de nascença isso. Igual como a gente nascesse de quatro olhares ou de quatro orelhas. Um dia tentei desenhar as formas da Manhã sem lápis. Já pensou? Por primeiro havia que humanizar a Manhã. Torná-la biológica. Fazê-la mulher. Antesmente eu tentara coisificar as pessoas e humanizar as coisas. Porém humanizar o tempo! Uma parte do tempo? Era dose. Entretanto eu tentei. Pintei sem lápis a Manhã de pernas abertas para o Sol. A manhã era mulher e estava de pernas abertas para o sol. Na ocasião eu aprendera em Vieira (Padre Antônio, 1604, Lisboa) eu aprendera que as imagens pintadas com palavras eram para se ver de ouvir. Então seria o caso de se ouvir a frase pra se enxergar a Manhã de pernas abertas? Estava humanizada essa beleza de tempo. E com

Meus Oito Anos

Oh ! que saudades que eu tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais ! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais ! Como são belos os dias Do despontar da existência ! – Respira a alma inocência Como perfumes a flor; O mar é – lago sereno, O céu – um manto azulado, O mundo – um sonho dourado, A vida – um hino d’amor ! Que auroras, que sol, que vida, Que noites de melodia Naquela doce alegria, Naquele ingênuo folgar ! O céu bordado d’estrelas, A terra de aromas cheia, As ondas beijando a areia E a lua beijando o mar ! Oh ! dias de minha infância ! Oh ! meu céu de primavera ! Que doce a vida não era Nessa risonha manhã ! Em vez de mágoas de agora, Eu tinha nessas delícias De minha mãe as carícias E beijos de minha irmã ! Livre filho das montanhas, Eu ia bem satisfeito, De camisa aberta ao peito, – Pés descalços, braços nus – Correndo pelas campinas À roda das cachoeiras, Atr

Ao dia sete de setembro

Mancebos, que sois a esperança Do majestoso Brasil; Mancebos, que inda tão tenros Sabeis de louro gentil Adornar o pátrio dia, Nosso dia senhoril! Eis que assomou sobre os montes Além, sobre a antiga serra, Entre mil nuvens de rosa, O dia de nossa terra; Aquele que para a Pátria Milhões de glórias encerra. Foi hoje que o Lusitano, Que o filho de além do mar, Despertou com forte brado A Pátria que era a sonhar, Que nem sequer escutava A liberdade a expirar. E o brado: — "Livres ou mortos" Lá nos bosques retumbou; E mais contente o Ipiranga As suas águas rolou; E o eco d'alta montanha Todo o Brasil ecoou. E as montanhas lá do Sul, E as montanhas lá do Norte, Repetiram em seus cumes: Sempre ser livres ou morte... E lá na luta renhida Cada qual luta mais forte. Sim, nos combates que, ousados, Travaram cem contra mil, O mancebo que nascera Sob este azul céu de anil, Forte como um Bonaparte, Batia o forte fuzil. E cada qual no combate

Sou feita de retalhos

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Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma. Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou. Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior…. Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade…que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa. E penso que é assim mesmo que a vida se faz de pedaços de outras gentes que vão se tomando parte da gente também. E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados…haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma. Portanto, obrigada a cada um de vocês, que fazem parte da minha vida e que me permitem engrandecer minha história com os retalhos deixados em mim. Que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles possam ser parte das suas histórias. E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de ´nós’. Cora Coralina

Mascarados

Saiu o Semeador a semear Semeou o dia todo e a noite o apanhou ainda com as mãos cheias de sementes. Ele semeava tranquilo sem pensar na colheita porque muito tinha colhido do que outros semearam. Jovem, seja você esse semeador Semeia com otimismo Semeia com idealismo as sementes vivas da Paz e da Justiça. Cora Coralina

Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir… Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas. Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. Faz de tua vida mesquinha um poema. E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir. Esta fonte é para uso de todos os sedentos. Toma a tua parte. Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede. Cora Coralina

Necrológio dos desiludidos do amor

Os desiludidos do amor estão desfechando tiros no peito. Do meu quarto ouço a fuzilaria. As amadas torcem-se de gozo. Oh quanta matéria para os jornais. Desiludidos mas fotografados, escreveram cartas explicativas, tomaram todas as providências para o remorso das amadas. Pum pum pum adeus, enjoada. Eu vou, tu ficas, mas nos veremos seja no claro céu ou turvo inferno. Os médicos estão fazendo a autópsia dos desiludidos que se mataram. Que grandes corações eles possuíam. Vísceras imensas, tripas sentimentais e um estômago cheio de poesia… Agora vamos para o cemitério levar os corpos dos desiludidos encaixotados competentemente (paixões de primeira e de segunda classe). Os desiludidos seguem iludidos, sem coração, sem tripas, sem amor. Única fortuna, os seus dentes de ouro não servirão de lastro financeiro e cobertos de terra perderão o brilho enquanto as amadas dançarão um samba bravo, violento, sobre a tumba deles. Carlso Drumon de Andrande

A arte de perder - One Art

A arte de perder não é nenhum mistério; Tantas coisas contêm em si o acidente De perdê-las, que perder não é nada sério. Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero, A chave perdida, a hora gasta bestamente. A arte de perder não é nenhum mistério. Depois perca mais rápido, com mais critério: Lugares, nomes, a escala subseqüente Da viagem não feita. Nada disso é sério. Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero Lembrar a perda de três casas excelentes. A arte de perder não é nenhum mistério. Perdi duas cidades lindas. E um império Que era meu, dois rios, e mais um continente. Tenho saudade deles. Mas não é nada sério. – Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério. ” Elisabeth Bishop The art of losing isn’t hard to master; so many things seem filled with the intent to be lost that their loss is no disaster. Lose somethin

Anedota Búlgara

Era uma vez um czar naturalista que caçava homens. Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas, ficou muito espantado e achou uma barbaridade. Carlos Drummond de Andrade

caprichos & relaxos [1983]

Aqui, poemas para lerem, em silêncio, o olho, o coração e a inteligência. Poemas para dizer, em voz alta. Poemas, letras, lyrics, para cantar. Quais, quais, é com você, parceiro. Paulo Leminski

Os poemas

Poemas nas pontas dos pés. que nem os sente o papel... Poemas de assombração sumindo pelos desvãos da alma... Poemas que dançam, rindo que nem crianças... Poemas de pé de pilão, um baque no coração. E aqueles que desmoronam - lentamente - sobre um caixão! Mário Quintana

Matinal

O tigre da manhã espreita pelas venezianas. O Vento fareja tudo. Nos cais, os guindastes domesticados dinossauros - erguem a carga do dia. Belas Maldições – Mário Quintana

Bolhas

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Brisa marinha

                             Tradução:  Augusto de Campos A carne é triste, sim, e eu li todos os livros. Fugir! Fugir! Sinto que os pássaros são livres, Ébrios de se entregar à espuma e aos céus                                               [ imensos. Nada, nem os jardins dentro do olhar suspensos, Impede o coração  de submergir no mar Ó noites! nem a luz deserta a iluminar Este papel vazio com seu branco anseio, Nem a jovem mulher que preme o filho ao seio.  Eu partirei! Vapor a balouçar nas vagas, Ergue a âncora em prol das mais estranhas                                               [ plagas! Um Tédio, desolado por cruéis silêncios, Ainda crê no derradeiro adeus dos lenços! E é possível que os mastros, entre ondas más, Rompam-se ao vento sobre os náufragos, sem                                               [ mas- Tros, sem mastros, nem ilhas férteis a vogar... Mas, ó meu peito, ouve a canção que vem do