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Mostrando postagens de setembro, 2018

Soneto de Agosto

Tu me levaste, eu fui... Na treva, ousados Amamos, vagamente surpreendidos Pelo ardor com que estávamos unidos Nós que andávamos sempre separados. Espantei-me, confesso-te, dos brados Com que enchi teus patéticos ouvidos E achei rude o calor dos teus gemidos Eu que sempre os julgara desolados. Só assim arrancara a linha inútil Da tua eterna túnica inconsútil... E para a glória do teu ser mais franco Quisera que te vissem como eu via Depois, à luz da lâmpada macia O púbis negro sobre o corpo branco. Vinicius de Moraes

Outubro Rosa

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Lindas rosas a toda mulher, Que ela viva de bem com a vida, Usando o sutiã que bem quiser, Que ela sempre se sinta querida. Que em seu peito durma alegria, Na certeza de uma dor ausente. Que o câncer não seja companhia, Mesmo se ele se mostrar latente. Que toda mulher cuide da mama, Examine-se constantemente. Pois Câncer pode ser grande drama, Matando sem dó, infelizmente. É melhor fazer a prevenção, Para não ter uma má surpresa. Prevenir pode ser solução, A vida sem câncer é beleza. Outubro Rosa chegou sorrindo, Recitou uma modesta poesia. Diz que câncer não está dormindo, E mama uma doce melodia. Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=315028 © Luso-Poemas

O relógio...

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Relógio, meu amigo, és a Vida em Segundos... Consulto-te: um segundo! E quem sabe se agora, Como eu próprio, a pensar, pensará doutros mundos Alma que filosofa e investiga e labora? Há de a morte ceifar somas de moribundos. O relógio trabalha... E um sorri e outro chora, Nas cavernas, no mar ou nos antros profundos Ou no abismo que assombra e que assusta e apavora... Relógio, meu amigo, és o meu companheiro, Que aos vencidos, aos réus, aos párias e ao morfético Tem posturas de algoz e gestos de coveiro... Relógio, meu amigo, as blasfêmias e a prece, Tudo encerra o segundo, insólito — sintético: A volúpia do beijo e a mágoa que enlouquece! Jorge de Lima

O desafio

Foi em algum lugar, foi onde a relva cresce e o mundo se dispersa e uma fogueira arde. Foi onde o sol clareia estações desterradas e um seio nu afronta a vontade da treva. Onde a sombra ensombrece os dias sepultados e no verão persiste um cheiro de jasmim e uma abelha dourada pousa na corola da majestosa flor que reina no jardim. Foi onde fervilhava o rumor das charnecas e as águas de um riacho fulgiam nas pedras e a manhã respirava a promessa da vida. Levantou-se da terra uma roxa alvorada num claro desafio ao sol esbraseado e à nuvem emudecida que no céu passava. Lêdo Ivo

Ausência

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Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto. No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz. Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenc

Procura-se um amor

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Não precisa ser perfeito. Não precisa ser para sempre. Não precisa ser o maior de todos, desde que seja imenso. Aceito defeitos de várias espécies, menos a indiferença. Já vi no filme, na novela, no romance, e até na vida real (se bem que já faz um tempo.) Sei que já foi mais freqüente, ou porque antes a gente era diferente, ou porque o mundo era outro, mas ouvi dizer que existe ainda. É raro, eu sei, apesar disso procuro. Pode ser louro, moreno, bonito, feio, médio, esquisito, muito magro, meio bronco, pode ter cabelo liso ou cacheado, não importa. Se ele tiver alguma coisa de John Malkovitch misturado com Manoel de Barros, seria ótimo, mas não chega a ser exigência. De preferência, que ligue todos os dias, sempre morrendo de saudade. Seria lindo se ele me desse rosas vermelhas. (Mas também não precisa.) Exijo apenas que ele me beije arrebatadoramente sempre que a gente se encontre, que ele fique pelo menos um pouco triste toda vez que a gente brigue, que ele fique

Emergência

Quem faz um poema abre uma janela. Respira, tu que estás numa cela abafada, esse ar que entra por ela. Por isso é que os poemas têm ritmo — para que possas profundamente respirar. Quem faz um poema salva um afogado. Mario Quintana

Poeminho do Contra

Todos esses que aí estão Atravancando meu caminho, Eles passarão… Eu passarinho! Mário Quintana

Do amoroso esquecimento

Eu agora — que desfecho! Já nem penso mais em ti… Mas será que nunca deixo De lembrar que te esqueci? Mario Quintana

A Rua dos Cataventos

Da vez primeira em que me assassinaram, Perdi um jeito de sorrir que eu tinha. Depois, a cada vez que me mataram, Foram levando qualquer coisa minha. Hoje, dos meu cadáveres eu sou O mais desnudo, o que não tem mais nada. Arde um toco de Vela amarelada, Como único bem que me ficou. Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada! Pois dessa mão avaramente adunca Não haverão de arrancar a luz sagrada! Aves da noite! Asas do horror! Voejai! Que a luz trêmula e triste como um ai, A luz de um morto não se apaga nunca! Mario Quintana