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Mostrando postagens de maio, 2017

Soneto de Agosto

Tu me levaste, eu fui... Na treva, ousados Amamos, vagamente surpreendidos Pelo ardor com que estávamos unidos Nós que andávamos sempre separados. Espantei-me, confesso-te, dos brados Com que enchi teus patéticos ouvidos E achei rude o calor dos teus gemidos Eu que sempre os julgara desolados. Só assim arrancara a linha inútil Da tua eterna túnica inconsútil... E para a glória do teu ser mais franco Quisera que te vissem como eu via Depois, à luz da lâmpada macia O púbis negro sobre o corpo branco. Vinicius de Moraes

A urgência

Então baixou a pressa.  Não tinha mais um dia a perder, pois embora fosse muito cedo, começou a suspeitar que era também desesperadamente tarde demais. Procurou Betinha, bilhete pronto, escrito com Parker 51 em folha de arquivo. Quero falar contigo amanhã sem falta, na praça, depois da aula. — Tu sabes? — perguntou Betinha, olho no olho. Ele disse que sim. De tardezinha, veio a resposta: Beatriz concordava. Amanhã na praça, sem falta. — Mas tu sabes mesmo? — Betinha perguntou novamente. Outra vez, disse que sim. Perguntou se era verdade. Betinha sacudiu a cabeça, que era. Antes de ir embora, ainda falou: — Olha bem para o pescoço dela. Tem uns caroços aqui, assim, inchados. Aquilo é a doença. Ele olhou bem, quase meio-dia da manhã seguinte, sentados num banco do centro da praça. Enquanto pedia, trêmulo de amor: — Beatriz, quero namorar contigo. Ela apertou contra o peito um livro de história do Brasil: — Tu é muito criança — disse. Quase não conseguia olh

Eu não recomendo

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Eu não recomendo o ódio                       a inquitação                       o escárnio                       as mágoas                       a indiferença                       o desprezo                       a desunião Eu recomendo compreensão! Marcio Jung

O Guardador de Rebanhos

VII Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer Porque eu sou do tamanho do que vejo E não, do tamanho da minha altura... Nas cidades a vida é mais pequena Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, Escondem o horizonte, Empurram o nosso olhar para longe de todo o céu, Tornam-nos pequenos Porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar, E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver. Fernando Pessoa (Poemas completos de Alberto Caeiro) 

Cidadão

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Tá vendo aquele edifício moço? Ajudei a levantar Foi um tempo de aflição Eram quatro condução Duas pra ir, duas pra voltar Hoje depois dele pronto Olho pra cima e fico tonto Mas me chega um cidadão E me diz desconfiado, tu tá aí admirado Ou tá querendo roubar? Meu domingo tá perdido Vou pra casa entristecido Dá vontade de beber E pra aumentar o meu tédio Eu nem posso olhar pro prédio Que eu ajudei a fazer Tá vendo aquele colégio moço? Eu também trabalhei lá Lá eu quase me arrebento Pus a massa fiz cimento Ajudei a rebocar Minha filha inocente Vem pra mim toda contente Pai vou me matricular Mas me diz um cidadão Criança de pé no chão Aqui não pode estudar Esta dor doeu mais forte Por que que eu deixei o norte Eu me pus a me dizer Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava Tinha direito a comer Tá vendo aquela igreja moço? Onde o padre diz amém Pus o sino e o badalo Enchi minha mão de calo Lá eu trabalhe