Soneto de Agosto

Tu me levaste, eu fui... Na treva, ousados Amamos, vagamente surpreendidos Pelo ardor com que estávamos unidos Nós que andávamos sempre separados. Espantei-me, confesso-te, dos brados Com que enchi teus patéticos ouvidos E achei rude o calor dos teus gemidos Eu que sempre os julgara desolados. Só assim arrancara a linha inútil Da tua eterna túnica inconsútil... E para a glória do teu ser mais franco Quisera que te vissem como eu via Depois, à luz da lâmpada macia O púbis negro sobre o corpo branco. Vinicius de Moraes

A Verdadeira Liberdade


A liberdade, sim, a liberdade!
A verdadeira liberdade!
Pensar sem desejos nem convicções.
Ser dono de si mesmo sem influência de romances!
Existir sem Freud nem aeroplanos,
Sem cabarets, nem na alma, sem velocidades, nem no cansaço!

A liberdade do vagar, do pensamento são, do amor às coisas naturais 
A liberdade de amar a moral que é preciso dar à vida! 
Como o luar quando as nuvens abrem 
A grande liberdade cristã da minha infância que rezava 
Estende de repente sobre a terra inteira o seu manto de prata para mim... 
A liberdade, a lucidez, o raciocínio coerente, 
A noção jurídica da alma dos outros como humana, 
A alegria de ter estas coisas, e poder outra vez 
Gozar os campos sem referência a coisa nenhuma 
E beber água como se fosse todos os vinhos do mundo! 

Passos todos passinhos de criança... 
Sorriso da velha bondosa... 
Apertar da mão do amigo [sério?]... 
Que vida que tem sido a minha! 
Quanto tempo de espera no apeadeiro! 
Quanto viver pintado em impresso da vida! 

Ah, tenho uma sede sã. Dêem-me a liberdade, 
Dêem-ma no púcaro velho de ao pé do pote 
Da casa do campo da minha velha infância... 
Eu bebia e ele chiava, 
Eu era fresco e ele era fresco, 
E como eu não tinha nada que me ralasse, era livre. 
Que é do púcaro e da inocência? 
Que é de quem eu deveria ter sido? 
E salvo este desejo de liberdade e de bem e de ar, que é de mim? 

Álvaro de Campos, in "Poemas (Inéditos)" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

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