Soneto de Agosto

Tu me levaste, eu fui... Na treva, ousados Amamos, vagamente surpreendidos Pelo ardor com que estávamos unidos Nós que andávamos sempre separados. Espantei-me, confesso-te, dos brados Com que enchi teus patéticos ouvidos E achei rude o calor dos teus gemidos Eu que sempre os julgara desolados. Só assim arrancara a linha inútil Da tua eterna túnica inconsútil... E para a glória do teu ser mais franco Quisera que te vissem como eu via Depois, à luz da lâmpada macia O púbis negro sobre o corpo branco. Vinicius de Moraes

Pintura

Sempre compreendo o que faço depois que já fiz.
O que sempre faço nem seja uma aplicação de
estudos. É sempre uma descoberta. Não é nada
procurado. É achado mesmo. Como se andasse num
brejo e desse no sapo. Acho que é defeito de
nascença isso. Igual como a gente nascesse de
quatro olhares ou de quatro orelhas. Um dia tentei
desenhar as formas da Manhã sem lápis. Já pensou?
Por primeiro havia que humanizar a Manhã.
Torná-la biológica. Fazê-la mulher. Antesmente
eu tentara coisificar as pessoas e humanizar as
coisas. Porém humanizar o tempo! Uma parte do
tempo? Era dose. Entretanto eu tentei. Pintei sem
lápis a Manhã de pernas abertas para o Sol. A
manhã era mulher e estava de pernas abertas para
o sol. Na ocasião eu aprendera em Vieira (Padre
Antônio, 1604, Lisboa) eu aprendera que as
imagens pintadas com palavras eram para se ver de
ouvir. Então seria o caso de se ouvir a frase pra
se enxergar a Manhã de pernas abertas? Estava
humanizada essa beleza de tempo. E com os seus
passarinhos, e as águas e o Sol a fecundar o
trecho. Arrisquei fazer isso com a Manhã, na cega.
Depois que meu avô me ensinou que eu pintara a
imagem erótica da Manhã. Isso fora.

Manoel de Barros
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