Soneto de Agosto

Tu me levaste, eu fui... Na treva, ousados Amamos, vagamente surpreendidos Pelo ardor com que estávamos unidos Nós que andávamos sempre separados. Espantei-me, confesso-te, dos brados Com que enchi teus patéticos ouvidos E achei rude o calor dos teus gemidos Eu que sempre os julgara desolados. Só assim arrancara a linha inútil Da tua eterna túnica inconsútil... E para a glória do teu ser mais franco Quisera que te vissem como eu via Depois, à luz da lâmpada macia O púbis negro sobre o corpo branco. Vinicius de Moraes

O Rei



O Rei, cuja coroa de oiro é luz
Fita do alto trono os seus mesquinhos.
Ao meu Rei coroaram-no de espinhos
E por trono lhe deram uma cruz.

O olhar fito do Rei a si conduz
Os olhares fitados e vizinhos
Mas mais me fitam, e mortas sem carinhos,
As pálpebras descidas de Jesus.

O Rei fala, e um seu gesto tudo prende,
O som da sua voz tudo transmuda.

E a sua viva majestade esplende;
Meu Rei morto tem mais que majestade;
Diz-me a Verdade aquela boca muda;

E essas mãos presas dão-me a Liberdade.

Fernando Pessoa

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